Os recursos no processo cível são meios de insurgir sobre decisões que a parte não esteja satisfeita com o resultado. São manejados com o intuito de viabilizar reexame da matéria na lide processual, requerendo a reforma, anulação, aclaramento ou integração da decisão ora impugnada.
Acerca das possibilidades recursais que figuram no Código de Processo Civil de 2015, dentre elas a apelação, o recurso ordinário constitucional, o agravo interno, o agravo de instrumento, o recurso extraordinário e o recurso especial, escolhe-se a figura dos embargos de declaração para análise de suas nuances e especialmente para demonstrar que, com o advento da atual lei processual civil, os embargos de declaração passam a ter aspecto positivado de um novo efeito ou consequência: o modificativo ou infringente. Essa nova modalidade dilata a aplicação dos embargos declaratórios, ampliando seu horizonte.
No presente artigo será tratado especificamente sobre essa modalidade, caso queira se aprofundar um pouco mais no assunto, o inteiro teor do artigo está publicado na Revista Actio, conforme link: http://www.actiorevista.com.br/index.php/actiorevista/article/view/106
1. O Efeito Modificativo dos Embargos de Declaração
O recurso dos Embargos de Declaração, a partir do Código de Processo Civil de 2015, carrega consigo o chamado “efeito infringente”. No entanto, apesar de o efeito modificativo dos embargos de declaração ser positivado somente no novo diploma processual, desde o final da década de 20 já se tem notícias de decisões com esse efeito.
O STF, em seu regimento interno, precisamente no art. 338 definiu:
Se os embargos forem recebidos, a nova decisão se limitará a corrigir a inexatidão, ou a sanar a obscuridade, dúvida, omissão ou contradição, salvo se algum outro aspecto da causa tiver de ser apreciado como consequência necessária.
Além do regimento interno, o STF possui uma corrente decisória que vem permitindo, em alguns casos, o efeito modificativo dos embargos de declaração desde antes do próprio Código de Processo Civil de 2015.
É bom ressaltar, ainda, que à luz do Código de Processo Civil de 1973, dizia-se que os embargos não poderiam modificar a decisão, isso porque, ele possuía apenas a função de sanar quaisquer vícios contidos no decisum. Durante toda a vigência do código, houve discussões acaloradas sobre a possibilidade de efeito modificativo dos Embargos, onde parte da doutrina entendia que os embargos não possibilitavam o reexame da decisão, apenas a correção desta.
A outra parte entendia que o efeito infringente era possível, desde que os embargos fossem manejados utilizando-se dos quatro requisitos: esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material. Havia então, alguns julgados que compreendia essa possibilidade de se modificar a decisão embargada, porém, para que seja admitida a tal reforma, se fazia necessário observar os quatro requisitos supracitados, de modo que a modificação seja uma mera consequência dos Embargos.
Após muito debate e nenhum consenso sobre essa particularidade do recurso dos embargos de declaração, o Código de Processo Civil de 2015 entendeu por positivar a questão e findar qualquer controvérsia sobre o efeito modificativo dos embargos de declaração. Como anteriormente tratava-se de uma construção jurisprudencial e doutrinária, agora, com o advento do novo diploma processual, caracteriza-se como uma norma positivada.
O art. 1.023, § 2º, do CPC, possibilitou esse efeito infringente, pacificando o entendimento de que a utilização dos embargos de declaração poderá culminar na modificação da decisão embargada. Traz-se, então, a íntegra do referido artigo:
Art. 1.023. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz, com indicação do erro, obscuridade, contradição ou omissão, e não se sujeitam a preparo.
§ 1o Aplica-se aos embargos de declaração o art. 229.
§ 2o O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada. (Sem grifos no original).
E, ainda nesse sentido, o art. 1.024, § 4º também possibilita essa modificação da decisão embargada:
Art. 1.024. O juiz julgará os embargos em 5 (cinco) dias. (...)
§ 4o Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.
(...)
Portanto, em determinadas situações, admite-se a possibilidade de efeito infringente dos embargos de declaração, hipótese em que o embargante não pode ter como pretensão pedir a infringência do julgado, isto é, a reforma da decisão embargada. A infringência ocorrerá como consequência necessária do julgamento dos Embargos.
Alerta-se que a função do recurso de embargos de declaração não é, e nunca foi, modificar o conteúdo das decisões impugnadas. Sua utilização sempre foi corrigir, sanar, esclarecer. O que pode ocorrer, é o que já fora mencionado anteriormente, da utilização dos embargos culminar na modificação da decisão.
Dessa forma, o Código de Processo Civil de 2015 abriu essa possibilidade do efeito modificativo, fato que já vem obtendo resultados nas decisões recentes nos Tribunais Regionais, como por exemplo na decisão de embargos de declaração proferida pela Quarta Turma Recursal Cível do Rio Grande do Sul:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS COM EFEITOS INFRINGENTES, A FIM DE AFASTAR A CONDENAÇÃO IMPOSTA NO ACÓRDÃO, ANTE A AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO DE LUCROS CESSANTES. SENTENÇA CONFIRMADA NOS TERMOS DO ART. 46 DA LEI 9.099 /95. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS.
Seguindo nessa seara, a Segunda Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também decidiu:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO QUE PARTIU DE PREMISSA EQUIVOCADA. VALOR COBRADO DA AUTORA E POR ELA PAGO CUJA ORIGEM NÃO RESTOU DEMONSTRADA PELA PARTE DEMANDADA, ÔNUS QUE A ESTA CABIA. PAGAMENTO INDEVIDO. DEVER DE DEVOLUÇÃO, NA FORMA DOBRADA. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. RECURSO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, COM EFEITOS MODIFICATIVOS.
Isto posto, os embargos de declaração possuem também o efeito modificativo, alterando substancialmente a decisão embargada, de modo a propiciar uma decisão mais acertada. O Código de Processo Civil de 2015 acabou facilitando e positivando esse efeito, gerando decisões que seguem esse raciocínio, conforme demonstrado acima.
Essa mudança no entendimento e a posterior positivação, abrindo a possibilidade do efeito infringente, em pouco tempo de vigor do novo diploma processual, trouxe uma mudança substancial para os operadores do direito no que concerne os embargos de declaração.
Ainda, com o novo código, diversos doutrinadores vêm se manifestando com a concordância do efeito modificativo dos Embargos, como por exemplo o que compreende Daniel Amorim Assumpção Neves nas palavras abaixo:
Ocorre, entretanto, que em algumas hipóteses de saneamento de contradição e omissão – muito mais frequente na segunda hipótese – o provimento dos embargos de declaração, com o consequente saneamento do vício, poderá ensejar a modificação do conteúdo da decisão recorrida.
Ainda, coadunando com esta linha de pensamento Luís Eduardo Simardi Fernandes preleciona conforme segue:
[...] E não temos receio em afirmar que os embargos de declaração podem, sem dúvida alguma, apresentar o efeito de modificar a decisão embargada, na sua essência.
Acreditamos que esses efeitos modificativos haverão de se fazer presentes não apenas em casos excepcionais [...] mas sim sempre que essa modificação do julgado for consequência, natural e necessária, do conhecimento e julgamento do recurso sob exame.
Em complemento importante, as colocações de Alexandre Freitas Câmara que ressalta:
Pode acontecer de os embargos de declaração veicularem pretensão que, caso acolhida, acarrete a modificação da decisão embargada. Tem-se aí o que se costuma chamar de embargos de declaração com efeitos modificativos (também chamados embargos de declaração com efeitos infringentes).
Nota-se que os autores supracitados manifestam na mesma corrente de que existe, hoje claramente, o efeito modificativo dos embargos de declaração e que tal efeito, deverá surgir de uma oposição natural dos embargos aclaratórios, ou seja, a infringência deverá ser consequência.
Não poderia ser diferente, já que o Código de Processo atual trouxe em seu bojo a positivação e possibilidade dos efeitos modificativos. Humberto Dalla Bernardina de Pinho se posicionou da seguinte forma:
Os embargos podem ter, contudo, efeitos infringentes, quando o suprimento da omissão, contradição, obscuridade ou erro material ocasiona modificação no julgamento do pronunciamento judicial. Nessa hipótese, o embargante não pode ter como pretensão pedir a infringência do julgado, isto é, a reformar da decisão embargada. A infringência ocorrerá como consequência necessária do julgamento dos Embargos.
Por fim, complementando essa linha de raciocínio, Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha explanam:
Acontece, porém, que do julgamento dos embargos pode advir alteração da decisão embargada. De fato, ao suprir uma omissão, eliminar uma contradição, esclarecer uma obscuridade ou corrigir um erro material, o juiz ou tribunal poderá, consequentemente, alterar a decisão embargada. Nesse caso, diz-se que os embargos têm efeitos modificativos ou infringentes.
Nota-se que a aceitação do efeito modificativo é vasta, todavia, cumpre ressaltar, que os mesmos artigos citados preveem a necessidade de contrarrazões, quando, da oposição dos embargos de declaração, resultarem na modificação da decisão (art. 1.024, § 4º Código de Processo Civil de 2015). “Isso se dará, no entanto, nos exatos e precisos limites da modificação causada pelo acolhimento dos Embargos, e deverá ser feito em quinze dias [...]”.
Dessa maneira, restou demonstrado que os doutrinadores, bem como a maciça jurisprudência coaduna com o entendimento da possibilidade dos efeitos modificativos nos casos em que os embargos de declaração forem propostos seguindo seu objeto natural, até por isso, entende-se que com o passar do tempo esse instituto será assentado pacificamente no ordenamento jurídico, alterando os limites da interposição do recurso de embargos de declaração.
2. Considerações Finais
Entende-se, dessa forma, que há cristalina possibilidade do efeito modificativo dos embargos de declaração como consequência do manejo de tal recurso (e não por objetivo principal a modificação do julgado), ainda, restou evidente que o Código de Processo Civil de 2015 positivou expressamente essa modalidade, não restando dúvidas sobre a sua figuração no ordenamento jurídico pátrio.
Isto posto, quando a decisão proferida conter algum dos pressupostos embargáveis (contradição, omissão, erro material ou obscuridade), caberá o recurso de embargos de declaração e, ainda, caso a correção da decisão embargada culmine em sua modificação, os embargos de declaração irão possuir o efeito modificativo, permitido expressamente pelo art. 1.024, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil de 2015, fato que já vem sendo aceito pela doutrina e jurisprudência.
Sendo assim, não restam dúvidas quanto a validade do efeito modificativo no que concerne a consequência da utilização dos embargos de declaração, ao passo que amplia-se a oposição de tal recurso, garantindo uma decisão clara e sem erros.
Referências
[1] FAGUNDES, M. Seabra. Dos embargos de declaração. Litis: revista trimestral de direito processual, 5-13, 1976, p. 11. Acesso em: 14 out. 2017.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno. Consolidado e atualizado até maio de 2002 por Eugênia Vitória Ribas. Brasília: STF, 2016.
[3] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS). Recurso Cível nº 71000595124. Relatora: Mylene Maria Michel. Diário da Justiça do dia 02/05/2005. Disponível em: < https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7875748/recurso-civel-71000595124-rs> acesso em: 08 out. 2017.
[4] ______. TJ-DF. Embargos de declaração no Agravo de instrumento nº EMD1 201400200796971.Terceira Turma Cível. Relator: Getúlio de Moraes Oliveira. Brasília, DF, 24 de setembro de 2014. Diário da Justiça do Dia 02/10/2014, p. 98. Disponível em: < https://tj-df.jusbrasil.co m.br/jurisprudencia/311502517/Embargos-de-declaracao-noaagravo-de-instrumento-emd1-201400200796971-agravo-de-instrumento> Acesso em: 24 out. 2017.
[5] BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
[6] Idem.
[7] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. vol. 2: processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. 3. ed. São Paulo. Saraiva, 2016, p. 906
[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 9. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 1.708.
[9] Idem.
[10] BRASIL. RJ-RS. Embargos de declaração Nº 71006828719, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Gisele Anne Vieira de Azambuja, Julgado em 17/08/2017. Disponível em: < https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/491284497/Embargos-de-declaracao-ed-71006828719-rs> Acesso em: 24 out. 2017.
[11] BRASIL. Embargos de declaração Nº 71006211916, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, Julgado em 28/09/2016). Segunda Turma Recursal Cível Diário da Justiça do dia 03/10/2016 - 3/10/2016 embargos de declaração. Disponível em:< https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/390631023/Embargos-de-declaracao-ed-71006211916-rs> Acesso em: 24 out. 2017.
[12] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1102.
[13] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.p. 2827
[14] FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração: efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 191
[15] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016.p. 532.
[16] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. vol. 2: processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. 3. ed. São Paulo. Saraiva, 2016, p. 906
[17] DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recurso, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 273.
[18] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. vol. 2: processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. 3. ed. São Paulo. Saraiva, 2016, p. 907
[19] ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p.575.
[20] DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recurso, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 275.
[21] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. vol. 2: processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. 3. ed. São Paulo. Saraiva, 2016, p. 907
[22] DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 1.349.
[23] DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recurso, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 275.
[24] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, p. 1.709.
[25] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, p. 1.709.
Fonte: Jusbrasil